quinta-feira, 25 de agosto de 2011

A desmemória/4

Chicago está cheia de fábricas. Existem fábricas até no centro da cidade,
ao redor do edifício mais alto do mundo. Chicago está cheia de fábricas, Chicago
está cheia de operários.
Ao chegar ao bairro de Heymarket, peço aos meus amigos que me
mostrem o lugar onde foram enforcados, em 1886, aqueles operários que o mundo
inteiro saúda a cada primeiro de maio.
— Deve ser por aqui — me dizem. Mas ninguém sabe. Não foi erguida
nenhuma estátua em memória dos mártires de Chicago na cidade de Chicago. Nem
estátua, nem monolito, nem placa de bronze, nem nada.
O primeiro de maio é o único dia verdadeiramente universal da
humanidade inteira, o único dia no qual coincidem todas as histórias e todas as
geografias, todas as línguas e as religiões e as culturas do mundo; mas nos Estados
Unidos, o Primeiro de maio é um dia como qualquer outro. Nesse dia, as pessoas
trabalham normalmente, e ninguém, ou quase ninguém, recorda que os direitos da
classe operária não brotaram do vento, ou da mão de Deus ou do amo.
Após a inútil exploração de Heymarket, meus amigos me levam para
conhecer a melhor livraria da cidade. E lá, por pura curiosidade, por pura
casualidade, descubro um velho cartaz que está como que esperando por mim,
metido entre muitos outros cartazes de música, rock e cinema.
O cartaz reproduz um provérbio da África: Até que os leões tenham seus
próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorifícando o caçador.

(EDUARDO GALEANO - livro dos abraços. p.63)

2 comentários:

  1. M-A-R-A-V-I-L-H-O-SO.
    O Galeano é foda. E o melhor ele afirma o que Marx diz em 1848 " o produto esconde do processo"

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  2. É transformaram o dia do trabalhador em dia do trabalho... Foda ne???

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